Recordar é viver! Moacir Eleutério - O boêmio da bola e da música

Por Geraldo Magela
No mesmo ano em que nasciam Renato Aragão e Carlos Alberto de Nóbrega, atores, humoristas que fazem a gente sorrir para não chorar, Eder Joffre - o maior pugilista, homem que batia para não apanhar da vida, nasce em Porto Alegre Moacir Eleutério, o homem que amava para não sofrer. 

Perfil
Inverno de 30 de julho de 1936, no bairro boêmio da Vila Mariana, ao som de Lágrimas de Orlando Silva, seu Gastão comemorava o nascimento de mais um filho, nascido do ventre de sua madre progenitora dona Carmen, cumpria assim sua missão terrena, em pouco tempo viria a falecer, quando o menino ainda era bebê. Moacir Eleutério constitui-se em um negro esbelto e promissor. 



Criado pela madrinha
Para salvaguardar a vida do filho por conta dos destemperos do avô e do tio, o mestre de obra Gastão depois que ficou viúvo, achou melhor enviar Moacir para morar com dona Ieda, tia e madrinha do menino, e foi no Bairro Bonfim que acaba vivendo sua infância humilde, mas cheia de amor e cuidados.


O início no futebol 
Inspirado pelo futebol da seleção brasileira de 1952 com Carlos Alberto, Adésio, Mauro, Zózimo, Edison, Larry, Milton Pessanha, Didi, Evaristo de Macedo, Humberto Tozzi, Jansen e principalmente por Vavá que era o mais jovem do grupo com 17 anos, Moacir estraçalhava nos campos de peladas do Bonfim, fato que chamou atenção de olheiros que andavam por ali em busca de talentos, um deles o levou para o Cruzeiro (POA) e com 16 anos, era início da sua trajetória no futebol.



O anunciador
Pela qualidade técnica e pelo belo futebol praticado, e depois comparando as suas características física, parece-me que Moacir Eleutério estava anunciando e preparando o caminho para chegada do maior jogador de futebol de todos os tempos. Em 1956 na baixada santista surgia no Santos FC e na Seleção Brasileira com os mesmos 16 anos de Moacir, Pelé o rei do futebol.



Grande promessa
Moacir chamava atenção de todos pelo seu jeito esguio e rápido com a bola nos pés, logo teve destaque pela sua incrível habilidade na perna direita além de um potente arremate, goleador nato, e antes de se tornar profissional foi contratado pela equipe de Joinvile/SC. 



O altar
Quando partiu para Joinvile, seu coração havia ficado em Porto Alegre, tanto que em 31 de janeiro de 1959 casou-se com Gessi Isabel Francisco e neste mesmo ano assinaria seu primeiro contrato profissional com o Atlântico de Erechim, ele e dona Gessi tiveram quatro filhos, Carlos Alberto (in memoriam), e Márcia que nasceram no estado Rio Grande do Sul, Moacir Júnior e Márcio, o popular Mussa nasceram em Cascavel.



O Ypiranga
E após fazer fama na equipe do Ypiranga até final do ano de 1964, Moacir assinaria contrato com a outra equipe da cidade, o Atlântico, o sucesso também foi grande, jogou por lá até final de 1966 e depois se transfere para o Chapecoense, e mais tarde aceita o convite de Tessari e desembarca em Cascavel para ser treinador. 



As águas do Guaíba 
Em 1974 o mais duro golpe para um pai, morre aos 14 anos afogado nas águas do Guaíba em Porto Alegre o seu primogênito Carlos Alberto. Dor e amargura tomaram conta de Moacir e sua família, Carlos Alberto e seus amigos foram banhar-se no famoso rio Guaíba e não venceu a água, acabou se afogando, momento de muita dor e tristeza para a família e amigos.

A chegada no Tuiuti
Em 1978 a convite do presidente do Tuiuti Esporte Clube - Wladmir Welter, hoje é agropecuarista em Vera Cruz do Oeste, e do tesoureiro Edgar Bueno - atual prefeito de Cascavel, Moacir é contratado para exercer o cargo de massagista do 
clube.



Técnico do Cascavel Esporte Clube
Em 1979 - Foi contratado para ser técnico do time profissional do Cascavel Esporte Clube, experiência que repetira mais tarde em 1983 a convite do então presidente Caetano Bernadini.



Os relatos de alguns amigos que acompanharam sua trajetória




Darci Casagrande "Tchê"
"Conheci o Moacir na década de 60, 70 em Erechim/RS, eu era da equipe de Juniores do Ipiranga e ele profissional, vindo do Cruzeiro, um meia direita muito bom, fazia muitos gols, jogavam bem para chuchu, era ídolo, o torcedor adorava ele, tanto no Ipiranga quanto no Atlântico, na época jogava com o Carioquinha (o Carica) que também mora em Cascavel, veio a primeira vez a Cascavel com o time do Atlântico, foi uns dos primeiros aviões a descer por aqui com uma delegação inteira, o aeroporto ficava ali onde é a prefeitura nova, levantava um poeirão danado. Morou muito tempo no nosso hotel, meus falecidos pais adoravam ele. Boa praça, gente boa, se vestia impecavelmente, usava roupa branca como ninguém, era metido o negão (risos), andava só na pinta, jogou no Tuiuti, no Comercial, foi massagista no Azulão e treinou a equipe do Cascavel, divulgou muito o futebol da nossa cidade, merece essa lembrança. Cantou na noite e tocava um cavaquinho mundial, muito gente boa, pena que morreu muito cedo, deixou saudades" 



Carlos Corso (Carlão)
"Bem pelo que eu conheço, ele o Moacir Eleutério sempre foi um cara da comunidade, fazia amigo fácil, fácil, ele chegou aqui vindo de Porto Alegre, e como eu trabalhava com o Caburé no Auri Verde a partir de 1964, o Caburé disse que jogou com ele no Chapecó, então tinha todas as boas referências possíveis. Cantava bem, cantava ao lado do Alvir, ai no Tuiuti nos bailes por aí. Mas eu que não esqueço de um lance em um jogo, eu sempre joguei como zagueiro e nós éramos do mesmo time nesta ocasião e quando ergo a cabeça vejo o Moacir a frente pedindo a bola pela ponta direita, então eu lancei a bola que por certo caiu no pé dele que executou com uma perfeição, fez um golaço, mais uma pintura de gol, e este lance nunca saiu da minha cabeça. Era um técnico exigente, sério, competente, cobrava bastante dos seus comandados e na noite andava sempre na pinta, penso que o Moacir foi feliz em Cascavel, porque a felicidade agente não encontra, agente faz a felicidade, e ele era um cara bacana, de fácil convívio, sorridente, elegante, se vestia bem, é impressionante, naquela época só existia pó e barro, por aqui se via as palhoças e só conhecíamos o trabalho, mas quando observávamos o jeito elegante de Moacir se vestir, estilo este trazido por ele de Porto Alegre, todos nós passamos a nos vestir assim, então nos sábados costumávamos vestir terno com a gravata e entre tantos Moacir era elegantíssimo, com aquele terno transpassado, arrebentava."



Pedro Mikilita
Falar do Moacir Eleutério é algo que me emociona, até porque eu era muito ligado a ele e a família, e por conta de seu envolvimento com o futebol nos tornamos amigos inseparáveis, veio de Porto Alegre para trabalhar no Tuiuti e inclusive ele foi o primeiro treinador do time profissional da cidade de Cascavel, na época em 1979 ele e o Chiquinho Zimmermann montaram o primeiro time profissional da cidade que foi o Cascavel Esporte Clube. Um fato interessante se não me falha a memória o Moacir Eleutério foi um dos primeiros negros a chegar em Cascavel, chegou por aqui, sempre elegante, educado, se vestia bem, tinha uma característica peculiar, era muito simpático e agradável, sempre comunicativo, passava muita segurança para todos de forma que foi conquistando todo mundo, nos clubes, nas peladas, na música era um dos artistas que tínhamos por aqui. E com o passar do tempo, ele começou a se sentir mal, foi internado no Hospital Policlínica, eu fui visitá-lo e confesso a você que fiquei chocado ao deparar com o meu amigo daquela forma, tão debilitado. O médico então orientou-nos que o enviasse para um centro maior para que pudesse receber um tratamento mais adequado, e a decisão foi enviá-lo a Porto Alegre seu berço natal. Nós nos cotizamos para as despesas dele, montamos uma caravana e o levamos para a Foz do Iguaçu onde seria seu embarque para Porto Alegre, e no aeroporto eu, Pedrinho e outros amigos brincavam com Eleutério convidando-o para tomar uma cervejinha, e ele disse: "olha, vocês não estarão livre de mim, estou indo a Porto Alegre me tratar, vou recuperar a saúde, depois vou fazer um estágio aprimorado de treinador no Grêmio e vou retornar para Cascavel para retomar o comando técnico do time e vamos colocar o time em lugar de destaque que ele merece" falado isso confesso a você que todos nós nos emocionamos e rolou até lágrimas, depois disso, nunca mais vimos o Moacir, infelizmente a doença foi mais forte e ele acabou falecendo em sua terra natal."



O que diz a famíla


Dona Gessi
Católica, fervorosa diz que Moacir era ainda juvenil no Cruzeiro quando se conheceram "aí nós começamos a namorar, daí casamos, depois nós fomos para Joinvile, Erechim, Chapecó e um amigo o Tessari trouxe ele para Cascavel, ele era muito feliz, vivia solto né (risos), gostava muito da noite, adorava sair com os amigos, eu deixava se não ele ficava bravo, ele gostava é de ser livre, a música sempre esteve com o Moacir, em Porto Alegre saía nas escolas de samba, andava sempre com o seu inseparável cavaquinho, ele era muito exibido (risos), eu dizia, homem não sei como eles dão conta de você na rua. Sempre bem vestido, as roupas tinha que estar impecáveis, apesar das estripulias digo que Moacir foi um bom homem, cuidou de mim, dos filhos e ajudava a todos, era de um coração muito bom e sincero as suas amizades, adorava receber os amigos em casa, e pedia para eu fazer aquela muqueca caprichada para servir aos seus convidados, não saia sem um bom terno e sem uma boa gravata, sempre em um bom perfume, adorava um alfaiate. O nosso filho Moacir Jr. herdou o cavaquinho do pai dele e de tanto zelo que ele tinha pelo instrumento, certo dia ele deu um banho nele, mergulhou o cavaquinho na água que não resistiu, daí ele chorava pela falta do cavaquinho, eu ficava com muita pena, porque eles todos gostavam de musica. Dona Gessi além de ser uma simpatia de pessoa também é muito generosa, se alegra por ter aumentado a família através da adoção de Camila que chegou na casa quando tinha apenas 4 meses e hoje com 22 anos é o xodó da família. Gessi, mulher guerreira que mesmo nas lutas, nas dificuldades, nunca se esquece de ser grata a Deus e aos amigos e diz. "Aproveito a oportunidade, para agradecer primeiramente a Deus e depois a todos os nossos amigos, que estiveram conosco nas tristezas e nas alegrias, agradeço de coração a todos que nos assistiram e nos ajudaram nas dificuldades".


A filha
"Meu pai passou pra mim muitos ensinamentos, eu sempre tenho aquela lembrança assim de um homem feliz, que sempre correu atrás dos seus sonhos, que batalhou, ensinou muitas coisas pra nós e é claro que fez toda diferença. Foi um homem que sempre fez o que quis, sobreviveu através do esporte, e teve na música o seu prazer, nos ensinou a acreditar nas pessoas e nessa de acreditar muito fez com que ele levasse algumas rasteiras em Cascavel, não sei se Cascavel foi tão grato com ele como ele foi grato com Cascavel, mas tudo bem, faz parte, ele amava um pagodinho, era bem amigo de Martinho da Vila que quando vinha para Cascavel para fazer shows os dois festejava juntos, cada vez que eu vejo o Martin da Vila na televisão eu lembro do meu pai", diz Márcia.


Os Filhos
Tanto Moacir Júnior quanto Marcio o caçula são unânimes em afirmar que o pai para eles foi um ídolo, um homem honesto, cuidadoso com a família, que não deu luxo, mais deu muito amor e carinho, "ele me imunizava, vivia com ele nos jogos, nos campos de futebol, mas ele não me envolvia muito no meio, dizia que no futebol tinha muita coisa errada, queria outra coisa para minha vida, me sinto feliz por ele ter sido um grande jogador e um grande treinador, sei que está marcado na história do futebol de Cascavel", finaliza Moacir. Já Márcio diz "o que mais me consola, são os depoimentos dos amigos que testificam a importância que ele teve primeiro como ser humano e depois como um desportista de primeira grandeza, é um orgulho saber que tive um pai assim".


A morte
Penso que Moacir Eleutério por ser um homem que amava demais, deixou-se morrer lá atrás, com o trágico afogamento do seu primogênito Carlos Alberto, embora que se tenham outros filhos, quando se perde um, é como se arrancasse um pedaço da gente, e este fato pode ter mexido muito com a cabeça de Moacir, uma vez que a busca é constante para se entender a tamanha perda.


Em 28 de fevereiro de 1985, no hospital mãe de Deus em Porto Alegre, o peito de Moacir Eleutério parou de bater, parou de insistir, antes mesmo de completar 50 anos, o homem que encantava como jogador, agradava como treinador e emocionava como cantor, partiu e deixou um legado "seja correto, seja amigo sincero e ame desesperadamente e quando tudo parecer perdido canta, canta minha gente, que a vida vai melhorar, canta forte canta alto, que a vida vai melhorar, que vida vai melhorar, que a vida vai melhorar" Moacir Eleutério (in memoriam).


Matéria: Geraldo magela - Na Coluna do Magela no Portal catve.com, você encontra essa e outras histórias no quadro Recordar é Viver - Acesse!

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